sábado, 2 de fevereiro de 2013

84 CHARING CROSS - A UVA. O ÁLCOOL.

Elaine Pereira



Como era noite de folga, depois de dia cansativo de trabalho braçal de mudança, e ninguém ia pra lugar nenhum, portanto não havia automóveis a serem conduzidos e nem menores presentes a quem dar mau exemplo,como se eles precisassem disso, fomos comprar vinho.

A variedade sempre me fascina e eu não entendo praticamente nada, só o básico de qual uva é como e só sei do que gosto. Consigo captar algumas nuances, mas é só. Ainda bem que existe a figura tão fundamental quanto, digamos, a secretária do lar, o moço do computador, e o indefectível faz tudo, do sommelier. Esse era tão jovem que me perguntei como ele poderia saber de alguma coisa. E bem feito pra mim, porque o moço sabia tudo.

Vinhos recomendados, expectativa de uma noite agradável, quando já de saída, me deparo com o que momentos depois foi um ovo de Colombo na minha vida. No meio dos tradicionais teor alcoólico x e y, lá estava o “vinho sem álcool”. Ahn? Como assim? Vinho sem álcool é o que? Suco de uva? Não, não é, a minha monumental ignorância ficou óbvia e ele me contou o que é vinho sem álcool. Se mais alguém além de mim no mundo não sabia, é assim: originalmente o vinho é normal (se é que essa palavra pode ser aplicada a vinhos), com álcool. Daí ele passa por um processo de aquecimento até que o álcool simplesmente evapore. E mais: a AVÓ do moço fazia isso em casa. Siiiiiiiiiim, a Oma, porque ele era alemão dos pés aos olhos azuis, não podia beber álcool, mas não dispensava o vinho, então fazia o processo na panela mesmo. E ele me garantiu que o sabor permanece de vinho, não vira suco de uva não. Eu não tive vontade de experimentar, e depois descobri porquê.

Aí entra a elucubração. Vinho sem álcool é vinho sem spirits. Spirits em inglês vale para álcool e para espírito também. Um vinho sem álcool é um vinho sem espírito, assim como uma vida sem determinadas coisas é uma vida sem alma. É lindo quem não pode ingerir álcool poder sentir o prazer do vinho. Mas é um prazer manco, o espírito não presente não dá o mesmo efeito. Aqui não vai nenhuma apologia ao álcool, tudo o que é moderado e responsável só traz prazer – mas tirem a gordura do leite, o açúcar do refrigerante, o sal do xampu, mas por favor – o álcool do vinho não.

A vida é curta demais para viver determinadas coisas pela metade. Se é para tentar, é pra se jogar. Se é pra sofrer, tem que ser um drama de jorrar lágrimas. Se é pra ficar feliz, é pra soltar fogos de artifício, não dá pra sentir a temperatura da piscina pondo o pezinho, como diz minha amiga Fal – tem que mergulhar de cabeça. Se é pra tomar vinho sem álcool, que se tome suco de uva. Se é pra tomar vinho que se deixe nele o espírito, dos deuses, Baco gargalhando ao fundo.