sábado, 25 de agosto de 2012

LEVE-ME AO SEU LÍDER - A GUERRA DOS MUNDOS

Carlos Frederico Abreu


Um dos temas mais fascinantes na Ficção Científica (FC) é o chamado Primeiro Contato, o momento do encontro de humanos e alienígenas, bastante explorado tanto na literatura quanto no cinema e na televisão.

A princípio, toda obra explorando este tema nos é de certa forma familiar, graças aos relatos históricos, as narrativas europeias das viagens dos primeiros navegadores na descoberta do Novo Mundo, do encontro com povos aborígenas e primitivos.

Com as viagens espaciais de Cyrano de Voltaire, o alienígena do Primeiro Contato já possui um carater de estranhamento, mas ainda se presta a uma crítica das nossas investidas em outras terras, marca do Imperialismo dos séculos 17 e 18. 

A primeira obra literária a tratar com propriedade o tema, foi 'A Guerra dos Mundos' (1898) de HG Wells, que estabeleceu a representação dos alienígenas na FC por décadas.
Ela marca uma mudança da explicita sátira, para formas mais palpáveis de ficção, uma transição da crítica social para o entretenimento.

A história se inicia nos arredores de Londres, século XX. O narrador e personagem principal (não identificado no livro), testemunha de um observatório astronômico, a primeira de uma série de explosões no planeta Marte. Depois disso, aquilo que parecia ser a queda de um meteoro perto de sua casa, acaba por ser uma espaçonave e de dentro saem os marcianos, que destroem todos os humanos que se aproximam com o raio da morte. Os marcianos se locomovem em máquinas com tripés metálicos - os tripods – facilmente vencendo a resistência militar dos humanos.



Já ouvimos falar ao menos de uma das reencarnações da narrativa de Wells da invasão marciana da Grã-Bretanha, entre as quais o famoso programa de rádio de Orson Welles  (Mercury Theatre,1938), que espalhou o pânico na América do Norte. Há também as adaptações do livro para o cinema, onde a invasão é transposta da periferia de Londres para Los Angeles (1953, dirigido por Byron Haskins) e Nova Iorque (2005, dirigido por Spielberg). 'A Guerra dos Mundos' foi também adaptada novamente em 1927, reeditado em dois capítulos na primeira revista de FC, a pioneira Amazing Stories de Hugo Gernsback (agosto e setembro de 1927, com uma capa maravilhosa de Frank Paul mostrando os tentáculos das máquinas de guerra marciana).

O impacto dramático Wells conseguiu ao utilizar como influência o livro de Sir. George Tomkyns Chesney, 'A Batalha de Dorking: Reminiscências de um Voluntário' (1871), que narra em primeira pessoa, a dominação da Inglaterra invadida por um país com características alemãs. Chesney entendia a consequência do progresso tecnológico-militar já naquela época, e que viria em breve a alterar drasticamente o equilíbrio de poder na Europa.

Na FC existem muitas narrativas de exploração e colonização de outros mundos, na linha do avanço das fronteiras do oeste americano.

Wells reverteu a situação, descrevendo a invasão da Grã-Bretanha a partir da perspectiva das pessoas que estão sendo invadidas. (Não podemos esquecer que quando a história de uma invasão é escrita pelo ponto de vista dos invasores é mais frequentemente chamada de exploração e conquista.)

Por meio dessa inversão, a Grã-Bretanha, que ganhou prestígio e poder invadindo e subjulgando muitas áreas do globo, agora está sendo invadida, um ataque humilhante por criaturas superiores que compartilham, no entanto, algumas das nossas características, a humilhação agravada pela aparente falta de interesse nos seres humanos como uma espécie inteligente.

"Será que eles entendem que nós, aos milhões, vivemos organizados, disciplinados e trabalhando juntos? Ou será que eles interpretam nossas investidas como um ataque furioso de uma colméia de abelhas que foi perturbada?"

O livro tornou-se um cânone da FC mundial e possui inúmeros estudos e interpretações.

Diz-se que Wells tomou a história da invasão para dramatizar suas próprias preocupações sobre a complacência de seus contemporâneos (um paralelo com o declínio e a estagnação da humanidade de 'A máquina do tempo'), escreveu Bernard Bergonzi que o romance também pode ser entendido como "expressão de uma consciência culpada sobre o imperialismo.”

Os alienígenas de Wells demonstram claramente o interesse do autor na teoria da evolução. A superioridade marciana não é simplesmente uma ilustração do slogan da sobrevivência do mais forte, os marcianos evoluíram, e seu desenvolvimento oferece uma oportunidade de refletir sobre a evolução humana. Wells especula sobre o que poderia trazer mudanças na sua evolução, salienta o desenvolvimento intelectual juntamente com um declínio correspondente na importância do físico, e isso com base na noção de aumentar a eficiência fisiológica.

"Eles eram cabeças, cabeças simplesmente. Não comem e muito menos precisam digerir. Em vez disso, obtêm o sangue fresco de outras criaturas vivas, e injetam em suas próprias veias."



Outra leitura possível (e contraditória) do livro é quando Wells duramente ataca a destruição cruel e absoluta que nossa espécie tem imposto não só aos animais (bisão, dodô), mas também à sua própria raça, como no capítulo sobre a Tasmânia.

A Tasmânia, uma ilha quase do tamanho da Irlanda, a 100 quilômetros ao sul da Austrália (da qual hoje é um estado) teve seu Primeiro Contato com um europeu em 1642, (Abel Tasman Jans empregado da Companhia Holandesa das Índias Orientais) e que a batizou de Terra de Van Diemen (nome de um alto funcionário da Companhia).

A ilha foi reinvindicado pela Grã-Bretanha em 1770 e ocupada em 1778. Na época entre quatro e seis mil indígenas viviam na ilha. Muitas vezes caçados pelos colonizadores como animais, havia menos de trezentos, sessenta anos depois. Quando foram transferidos para um acampamento nos arredores da capital, quinze anos mais tarde, eram 45. O último tasmaniano morreu em 1877.

Wells lamenta a extinção dos tasmanianos, como uma perda para a ciência, como 'pessoas' primordiais para compreender a evolução humana, e a noção de Wells de evolução claramente implica a idéia de uma progressão: O homem paleolítico tasmaniano é inferior aos súditos da Rainha Vitória, que por sua vez são inferiores aos marcianos mais evoluídos.

A invasão não é julgada em termos morais, mas de acordo com as leis da natureza:

"O lado intelectual do homem já admite que a vida é uma luta incessante pela sobrevivência, e parece que esta também é a crença das mentes em Marte."


Do artigo 'Invasores alienados' de Peter Fitting


Obs: Embora Wells não use o termo "alien" em 'A Guerra dos Mundos', este era comum no final do século XIX e início do século 20 na Grã-Bretanha nos debates sobre a política de imigração britânica.