domingo, 27 de março de 2011

SENHORA DO TEMPO. ZYU 4 - RÁDIO CULTURA DE SETE LAGOAS

Por Vera Guimarães

Foi a amiga Esther quem deu o mote: “Vera, você escutava rádio na infância?”

Eu sou da era do rádio. Na minha casa sempre teve um aparelho ligado o dia inteirinho.  Na beira do fogão, na sala, na máquina de costura da irmã mais velha. De manhã, à tarde, de tardinha, à noite. E quase sempre sintonizado na rádio local, a muy valorosa ZYU 4 - RÁDIO CULTURA DE SETE LAGOAS, ou na RADIO NACIONAL.

Foto: Google Images
Eu era fascinada pela nossa emissora. Quando a Rádio Cultura funcionava nos altos da Chevrolet, não sei o que que eu ia fazer lá, mas eu ia. Ver os locutores, os equipamentos, a discoteca, não sei, mas eu ia. Talvez desfazer o mistério que eram as vozes chegando ao radinho. Talvez dar asas ao meu encantamento com letras e músicas, ver capas de discos.

Depois que a rádio se mudou para o prédio próprio na Avenida, continuei indo lá. Além de ir por ir, eu ia aos programas de auditório. Ao Programa Infantil, para ver e ouvir Iza Marília e Manoelita Maria, cantoras de vozes potentes, meninas cheias de graça e charme. Iza Marília, coquete e animada, não sugeriria jamais que se tornaria a jovem concentrada e aluna brilhante e hoje adulta zen, professora de ioga. Manoelita Maria se tornou a atriz, jornalista e escritora Manoelita Lustosa, e concretiza, no 2º. tempo, sua vocação para o palco.

Havia outros programas de auditório. Eu me lembro vivamente do grupo musical que ali executava temas instrumentais, ou acompanhava os cantores. Era o nosso “regional”, de corda, sopro e percussão. Do lado esquerdo do palco, muito bem arrumados e sérios, ficavam os músicos. Não sei se eu lhes dava o devido valor, mas sei que hoje teria o maior apreço por eles, principalmente se pudesse ouvi-los novamente a tocar nossos choros.

Quando passava férias nas fazendas dos tios, percebia que, de madrugada, eles sintonizavam em algum programa de música sertaneja e de recados. (“Ô, Tiana, lá do Brejo, sua irmã mandou avisar que o Joacir saiu do hospital hoje!”). Atualmente, quando vou a Sete Lagoas, escuto o Guará no seu programa de utilidade pública e música, já completando 40 anos no ar.

Ao longo do dia vinham programas variados, com músicas de algum lugar do mundo: Festa Portenha, Boleros y otros Ritmos Caribeños, Canções Napolitanas, Valsas Vienenses, Jazz, Fados e mais Fados, Itália Querida, ocasiões em que sonhávamos com lugares distantes e cantávamos junto aquelas canções, no nosso inglês embromation, italiano macarrônico, portuñol lerrítimo, alemão das aftas arden.  

Na hora do almoço tinha a crônica do dia e as notícias, e, depois do almoço, as músicas oferecidas aos aniversariantes ("A seguir, La Golondrina, que Márcio Coelho oferece a sua mãe pelo aniversário. Parabéns, dona Vivi!"). Havia uma família que, em dia de aniversário de alguém do clã, comprava a tarde inteirinha.

Aí passávamos para a RADIO NACIONAL, onde ouvíamos consternadas os episódios do PRESÍDIO DE MULHERES, algo meio proibido pra minha idade, mas, já que minha mãe gostava de ouvir, eu pegava carona. Em algum dia da semana tinha o INCRÍVEL, FANTÁSTICO, EXTRAORDINÁRIO, com a dramatização de algum fato bizarro, sobrenatural, fantasmagórico ou fora do comum. Morríamos de medo já na abertura: “E abrem-se as cortinas negras do teatro do outro mundo!”

 À noite, novelas, principalmente O DIREITO DE NASCER, cuja trama eu não compreendia muito bem, aqueles lances de um filho do pecado, a mãe que vai pro convento, mas também não se podia perguntar muito.

Meus irmãos tinham especial predileção pelos programas humorísticos e enchiam a casa com sonoras gargalhadas durante o PRK-30 e um outro bem paulistano, acho que com os Demônios da Garoa e Adoniram Barbosa, “despois que nóis vai, despois que nóis vorta”.
PRK-30

Humorístico também era o BALANÇA, MAS NÃO CAI, de quadros que satirizavam aspectos da política, do dinheiro, classes sociais e comportamento, com piadas de duplo sentido e bordões que nos acompanhavam por décadas. Os herdeiros desses programas ainda hoje põem o dedo na ferida nacional dos políticos corruptos, da hipocrisia e da injustiça, mas também cometem crueldade com minorias e diferenças.

Nossa curiosidade com os astros do rádio era alimentada por publicações, como REVISTA DO RÁDIO e CINELÂNDIA, que traziam fofocas, a agenda e a intimidade deles. Nada muito diferente de hoje.

Foto: Google Images
Nas minhas andanças durante a vida universitária, levei para todos aqueles endereços meu radinho de cabeceira. Até hoje, em casa e no carro, gosto de passear pelas rádios. Gosto do acaso e do imprevisível, gosto da variedade, gosto de ficar por dentro do que tocam até as emissoras que não são exatamente da minha preferência.

Aquele rádio da minha infância, permanentemente ligado em vários cômodos da casa, aguçou meu interesse pela música e pelo mundo ao meu redor. E, principalmente, me trouxe o gosto por cantarolar, cantar, o que, apesar da voz pobrinha, faço até hoje, em qualquer lugar, meio sem noção e sem censura...