segunda-feira, 21 de março de 2011

Kafkiano por excelência




Louis Begley. O mundo prodigioso que tenho na cabeça: Franz Kafka, um ensaio biográfico. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

 Nascido em Praga, 1883, de família judaica, considerado com justiça um dos maiores e melhores autores de seu tempo, Kafka consagrou sua existência à escrita. Acima das mulheres, da família, do trabalho e até dos estudos, escrever era para ele a justificativa de sua vida, a razão por que estava neste planeta. Uma vida de sofrimentos, às voltas com problemas de saúde, uma família – em especial um pai – com a qual não conseguia conviver em harmonia e alguns amores frustrados, por conta de sua timidez e da indisponibilidade para assumir um compromisso. Os problemas se ampliavam ainda muitas vezes, por causa da proverbial discriminação e das limitações sociais e de trabalho impostas aos de sua raça no império austro-húngaro daquele período.
Poucas biografias portanto mereceriam mais o adjetivo kafkiano que a de Franz Kafka. O autoconceito registrado no diário que escreveu durante longo tempo fica bem delineado em trechos como esse: “reserva, modéstia, timidez são consideradas coisas nobres e boas porque oferecem pouca resistência aos impulsos agressivos das outras pessoas”.  E sobre seu relacionamento com os outros, diz ele em uma carta a Felice Bauer, sua primeira noiva: “Não posso viver com pessoas; eu absolutamente odeio todos os meus parentes, não porque sejam maus, não porque eu não os tenha em boa conta [...] mas simplesmente porque são pessoas com quem vivo em estreita proximidade.” E quanto à carreira, tudo que lhe importava era um tipo de trabalho que não o impedisse de escrever por falta de tempo ou energia. “Não tenho interesses literários”, escrevia ele a Felice, “mas sou feito de literatura, não sou nada além disso e não posso ser nada além disso”.
Obter sucesso com alguma de suas obras significaria para ele conseguir recursos para mudar de perto dos parentes para Berlim, mas a Primeira Guerra Mundial se contrapôs a esse plano. Em agosto de 1917, outro empecilho surgiu em sua vida, quando descobriu que estava tuberculoso. Seguiram-se temporadas em clínicas e licenças médicas que reduziam seu ganho no trabalho.
Tantos obstáculos teriam sido talvez mais suaves de suportar se Franz houvesse logrado se realizar em sua vida afetiva, mas isso nunca aconteceu de maneira satisfatória e duradoura. Ao contrário, um desejo sexual intenso se refletia em trechos de sua obra, como em O Castelo, escrito nos primeiros meses de 1922.
Seu biógrafo, Begley, foi capaz de comunicar nesse livro todo o tormento e a luta de Kafka, a repercussão dos colapsos nervosos que o prostraram e as razões pelas quais sua obra tem tanto a ver com as circunstâncias históricas e pessoais em que decorreu sua vida, interrompida aos 40 anos, em 3 de junho de 1924.